"...só viram os que levantaram para trabalhar no alvorecer que foi surgindo..."

terça-feira, 2 de maio de 2023

Quem é o culpado?

    Há algum tempo tenho me sentido provocada pela questão “ A culpa do câncer”, e senti vontade de falar , escrever… 
Eis que hoje me dispus a trazer questionamentos,colaborações.      
Pra começar … 
  Em que e a quem irá ajudar enviarmos mensagens dizendo que o câncer é doença de gente rancorosa, magoada, ressentida? Doença de pecador?
   E quem neste planetinha Terra não é pecador, né?!
Talvez estaremos contribuindo ainda mais para a piora de quem está em tratamento.Já pensou nisso?
Toda doença tem a parcela do emocional envolvido, por que essa predileção pelo câncer?
Diabetes, hipertensão, infarto, gota, AVC,hanseníase, vitiligo, doenças mentais e outras… não tem o componente emocional? Só o câncer?
 E quanto ao pecado?
  Vamos lembrar de recém-nascidos, crianças em tratamento oncológico .
Lembremos também dos presídios cheios de gente “ sadia”.
Aí vem a questão religiosa. 
Ah, mais são dívidas dos antepassados ou de outras vidas…
 Vamos nos ater ao hoje .
Você já teve câncer ou conviveu , convive com alguém que passou ou passa pelo câncer?
Você tem elementos que comprove essas mensagens de “autoajuda “, mensagens doutrinantes  de tic toc ou lives de religiosos preconceituosos? Ou que comprovem o que os “doutores”, “terapeutas” de redes sociais dizem tentando VENDER um tratamento, um curso de cura se valendo da fragilidade de outros?
Escuta-se de tudo:
Você está sobrevivendo? ( Não sabem a que custo…)
Ah, seu câncer é mais fraquinho, não é como os outros…
Se morre, não teve fé suficiente, não perdoou ou não se perdoou…
Se segue tratando ,é rico , pois se fosse pobre já teria morrido. 
E assim segue… 
Me faz lembrar a fábula: “O velho, o menino e o burro. “
De todo jeito , a crítica é certa.
A procura pelo culpado segue…
Pois bem! Meu lugar de fala é de alguém que  lida com o câncer desde 1996, inicialmente como Arteterapeuta ( um olhar de fora), assistente, “ telespectadora ”, quando fazia um trabalho voluntário no Albergue Filhinha Nogueira; depois como alguém que conviveu de perto com o câncer,(tratamento da minha mãe )frequentando laboratórios, consultórios, dividindo moradia, cuidando , partilhando emoções, vivência , ainda assim ,“assistente” e por último como alguém que está vivenciando o câncer( desde 2015). São oito anos convivendo com o câncer.
Durante este tempo o meu olhar, o meu entendimento da doença, mudou… 
Primeiro via o câncer como algo terrível, um inimigo invencível , e a pessoa/ paciente uma infeliz vítima do destino ,depois via o/a paciente como um/a guerreira/o capaz de enfrentar esse inimigo cruel,n’uma luta nem sempre ganha; hoje o vejo como uma doença como outra qualquer, e a pessoa/ paciente como uma pessoa  como qualquer outra, com pontos positivos, pontos negativos, com fraquezas e fortalezas ,não é herói, não é algoz e nem vítima , tem bons e maus sentimentos, como qualquer Ser humano. 
As doenças, acidentes, algumas experiências servem -nos como “ despertador” para acordarmos para a finitude da vida , coisa que sabemos desde que nascemos, mas que no dia a dia “esquecemos” , iludimo-nos como seres imortais e vamos protelando nossas necessidades, sonhos, desejos… vamos afastando de nossa essência, ludibriados por uma sociedade doente…consumista, descartável, capitalista.
Hoje vejo o câncer como uma experiência sofrida, mas que me faz uma pessoa melhor, despida de preconceito, de julgamento…mais livre, mais  plena.
Tenho aprendido  muito!
Morrer não é mérito / consequência de paciente oncológico ou de outra doença qualquer.Morrer é condição inerente a todo Ser vivo. 
Já dizia meu pai com sua sabedoria , conhecimento popular , senso comum como dizemos, mas que contém a pura verdade…
“ A única certeza que temos na vida é a morte”; “Todo mundo que tem os pés sobre a Terra, está sujeito a tudo.” “ E a morte precisa de uma desculpa.”
E minha mãe completava: “Este é um planeta de expiação.” Ninguém está aqui por acaso, todos temos desafios, seja na saúde, no setor financeiro ou afetivo. Independente da condição social. 
Condição social que quando avantajada ajuda no tratamento, mas não compra Vida. Fosse assim, milionários não morreriam, nem sofreriam . 
De fato quem tem acesso a medicamentos de ponta, tratamentos modernos têm mais chances de se curar ou amenizar suas dores.Digo então que mais importante que dinheiro é o conhecimento. Conhecimento das opções de tratamento, dos seus direitos ; conhecimento e autonomia para escolher o tratamento que acredita ser o melhor pra si. Conhecimento para desmistificar essa doença, para despir-se de preconceitos, de crenças limitantes. 
E é por isso que venho expressar-me sobre essas questões, que procuro compartilhar informações e falar da minha percepção, de quem está no “ meio do fogo”, de alguém que sente na própria pele, alguém que fala com conhecimento de causa; não para “responder” as demandas dos observadores da vida alheia, mas para me solidarizar e “empoderar”( palavra da moda?!) as pessoas que estão passando pelo tratamento de câncer e que muitas vezes sucumbem aos achismos dos que se consideram acima e no direito de julgar e achar alguma coisa da dor alheia. E também para chamar a reflexão os bem intencionados, piedosos que no ímpeto de querer ajudar, saem repetindo e repercutindo discursos infundados.  Tão simples, tão fácil hoje com a internet, antes de reproduzir , pesquisar, conferir se a informação confere. 
E pra terminar esse longo texto, quero dizer que há oito anos fui diagnosticada com câncer, tratei  meu físico, meu emocional e meu lado espiritual, fiz exame de DNA e constatei ter uma mutação em um determinado gene. Há três anos tenho convivido com um câncer de mama metastático e venho buscando me adequar as novidades e tentando aproveitar ao máximo o meu tempo. 
Quanto tempo tem no tempo que me resta? 
Não sei! Não sei quanto tempo tenho. 
Sei que quero gastar meu tempo com momentos que realmente valham. Gasto meu tempo descobrindo formas , maneiras de amenizar os efeitos colaterais do tratamento , fazendo o bem e vivendo bem.
O câncer é uma doença multifatorial , não tem uma causa, mas várias: genética, alimentação, hábitos de vida, fator emocional, ambiental… por isso a dificuldade de encontrar a cura. Não há um tipo só de câncer e sim vários tipos de cânceres.
Não existe culpados.
Existe mudança de atitude. 
Posso dizer que hoje me alimento melhor, faço atividades físicas regularmente, faço terapia, cuido da espiritualidade, estudo, faço cursos ( não por causa de diplomas ou horas), simplesmente pelo conhecimento, aprender me dá prazer;leio regularmente,  me dou o direito de gastar meu tempo assistindo filmes, séries,viajo muito e trabalho apenas com o que me dá prazer. 
Enfim, apesar dos efeitos colaterais, posso dizer que tenho autonomia e qualidade de vida que não tinha antes do câncer.
Ainda que precise tomar medicação diariamente e ambulatorial mensal, sinto-me curada, verdadeira, humana e plena! 
Grata a vida e a tudo que construí, vivi, vivo!
E sigo  vivendo! E viva lá vida!!!!!

Nenhum comentário:

Postar um comentário